Feira do Livro Anarquista @Faculdade de Belas Artes (LX)
25 Maio 2012
Fotos de Angela Alegria
As
embaixadoras da doença de São Vito
(Texto de Fabio Zanoni, Filósofo)
Duas malas, uma joelheira,
alguns figurinos, tudo tem início com uma preparação. Preliminares
absolutamente fundamentais, sobretudo se nos recordarmos de que se tratará de
um enfrentamento com o mundo. O que não é pouca coisa, diga-se de passagem. Todo
velho lobo o sabe, é preciso amanhar o solo, arrotear a terra, todo um trabalho
preparatório para aqueles que pretendem instaurar novos territórios, cuidados e
mimos indispensáveis que são como que o óleo com que se lubrificam as armas e
as ferramentas que se levará para dentro da arena de luta.
A luta começa. E, como era
de se esperar, ao menos no início, o mundo não se dobra às investidas das
performers. Rola, mas rola com o freio de mão puxado, por assim dizer. Pouco a
pouco, chute a chute, o mundo vai cedendo, murchando, perdendo peso e dureza. Isto é, é preciso chutar, chutar de novo,
outra vez, incessantemente, chutar a Europa, a África, chutar o Brasil, a
America Latina, os oceanos, chutar o céu e as estrelas. Diferentes jogadores o chutam,
as performers, o rapaz magro, a estudante bela, o penetra tímido. Todos entram
na dança.
Maneira
bastante astuta de explicitar como a mobilidade das nossas perspectivas não se
faz em oposição ao mundo, ao tempo, ao que já pôde ter lugar na ordem das
coisas. É um erro supor que a emergência do novo se faça à custa dos
predecessores. Longe disso. O que a performance nos mostra com uma lucidez sem
precedentes é precisamente como o grande escolho para o advento de novos modos
de pensar, agir e sentir é, antes de mais nada, o congelamento das referências
de que nos valemos para fundar e habitar novos territórios existenciais. A
oposição verdadeira não é entre o imediato e a tradição, mas entre uma tradição
mineralizada e outra dotado de algum grau de elasticidade. Se fôssemos
obrigados a chutar apenas a Europa, o que até há pouco era uma realidade aparentemente
insofismável, um movimento quase automático e espontâneo, especialmente nos
guetos mais intelectualizados, teríamos aí sim um pensamento agonizante,
moribundo, em estado terminal, mesmo que seus estertores não fossem assim tão
evidentes, como nunca o são, já que o ponto de vista sentado não é nunca
ofegante.
O
caráter alado do pensamento depende, portanto, de duas condições que amiúde são
esquecidas ou deixadas de lado em nome de narrativas infestadas de jargões
humanistas que não tem outra função senão a de apaziguar a doença de São Vito
que habita os que se esforçam por criar novas mundividências. Estranhas
médicas, essas duas performers. Elas certamente nos curam, mas a cura decorre
justamente da introjeção de uma doença que impede que os espectadores
permaneçam sossegadamente sentados na versão do mundo que habitam, mesmo entre
aqueles que permaneceram todo o tempo com a bunda no chão das escadas da
universidade.